sábado, 24 de janeiro de 2009

A ciência popular em Dona Maria Gorda

“A ciência da “abeia”, da aranha e a minha/ Muita gente desconhece”. Os versos de João do Vale e Luís Vieira (confira esta canção interpretada por Tetê Espíndola), que tão bem ilustra a sabedoria popular brasileira, descrevem facilmente a Maria José Menezes dos Santos, a rezadeira Dona Maria Gorda. Aos 68 anos, ela pratica e repassa os saberes acumulados desde os seis anos, aprendidos através da mãe e da Avó.

Além de rezar, Dona Maria Gorda é uma exímia conhecedora de plantas medicinais. Fabrica artesanalmente beberagens com ervas, a partir da “horta medicinal” que cultiva no quintal. Os remédios são conhecidos e aprovados pela Comunidade do Candeal, bairro onde mora há mais de 40 anos, e por adeptos da fitotepia que chegam de outras freguesias.

Dona Maria tem entre seus “rezados”, além dos vizinhos, uma lista de pessoas “de gabarito”, como ela denomina. É o caso de Carlinhos Brown e o ex-prefeito de Salvador, Antônio Imbassahí. Os saberes da rezadeira foi tema de uma matéria no Globo Repórter em 2008.
Na 6ª Bienal de Cultura da UNE, ela esteve presente na Oficina “Plantas medicinais, reconhecimento, cultivo e manipulação”, ministrada pelo Grupo de Extensão Permanente Farmácia da Terra, composta por alunos de Farmácia da UFBA. Na ocasião, os estudantes puderam conhecer mais sobre a política de plantas medicinais no Brasil, mostrando as peculiaridades da nossa “medicina popular”, sendo esta uma alternativa aos abusos da indústria farmacêutica.

Para aqueles que ainda desconhecem a ciência de Dona Maria Gorda, vai aí a entrevista que fizemos com ela.

Quais são os males que a Senhora reza?

Eu rezo de mal olhado, de zipela, de dor de cabeça, de peito aberto, de vento caído, de cobreiro, de fogo selvagem, de impinge, de tudo. Já rezei “meimundo” de gente. Estou aqui, abaixo de Deus, para o que der e vier.

Também é conhecedora de plantas medicinais?

Eu cuido de planta desde os seis anos de idade. Aprendi com minha avó e minha mãe tudo que eu sei hoje. Então, agradeço a Deus e a elas pelo pouco que me ensinou. Quando eu me casei, eu rezava as pessoas lá na Baixa do Tubo, onde eu morei, mas era pouquinho. Vim ser descoberta no Candeal, quando eu rezei uma criatura de peito aberto. Ela já estava desenganada, e ficou boa. É Graciete, mora lá até hoje. O médico disse que não existia remédio, que não tinha reza para isso. Foi uma jornalista lá no Candeal. E, Ela [Graciete] falou: “tem uma senhora que reza aqui, e coisa e tal, eu me curei com ela”. Foi aí que eu fiquei conhecida. Foi a primeira entrevista que eu dei, assim, para sair no rádio, na televisão. Eu dizia assim ao meu marido: “um dia ainda vou sair na televisão, no jornal”. Ele dizia: “Você vai caçar o que fazer, pobre só sai na televisão, no jornal, quando morre, e morre de tragédia”. Eu dizia: “Não, eu vou sair com meus pequenos méritos”. Hoje em dia, graças a Deus, já cheguei até o Globo Repórter, com meus pequenos méritos.

A Senhora está passando seus conhecimentos para alguém?

Ninguém em minha casa quer aprender. Tenho duas filhas que já sabem rezar, mas só de "olhado”. Mas não quer rezar de mais nada, nem quer continuar a rezar de olhado porque ela diz que não tem pique pra isso. Às vezes, tem pessoas que eu pego e me deixam abalada. Ontem mesmo, rezei uma criança e passei mal depois. Me dar calafrios, me dar moleza, essa coisa toda. Então, elas dizem que não estão prontas para isso, não querem. Mal elas rezam os filhos. Sabem rezar, mas, quando os filhos tão moles: “Minha mãe, reze”. Eu digo: “mas você não sabe rezar?”. “Mas minha reza eu não tenho fé, não. Só tenho fé na da Senhora”.

Quem são as pessoas que a Senhora reza?

Eu já rezei Carlinhos Brown, a mãe dele, minhas comadres, meu pessoal todo. Já rezei rei, rainha, o cônsul da Espanha, a princesa e o príncipe, [Antônio] Imbassahí, Paulo Souto. Só não rezei João Henrique porque ele é ...[evangélico]. Antônio Carlos Magalhães quando era vivo. Rezei muita gente, muita gente, gente de gabarito. Gente igual a mim, gente pobre

E a senhora reza lá no posto [de saúde] também?

No posto de saúde! Você não viu no Globo Repórter?

A senhora cobra por esse trabalho?

Isso aqui eu faço e vendo [mostrou algumas beberagens engarrafadas]. Tem de R$10 e de R$6. Porque eu gasto coisa. Aqui eu compro mel, raspadura, açúcar, folhas que eu não tenho, como dandá do rio, cravo, canela... Muita coisa eu compro, mas tem coisa que eu tiro do meu quintal. Tenho minha pequena horta medicinal. Se esse mês eu faço e não cobro, para o mês eu não tenho para repor.

A senhora é ligada a alguma tradição religiosa?

Sou católica. Não sou feita no candomblé, mas gosto do candomblé. Quando eu nasci, prematura de sete meses, minha avó era mãe de santo, entendia as coisas. Me botou de barriga para cima, botou de bruços, de lado... Então, ela disse: “Esta está preparada para o mundo! Quando ela crescer e fizer onze anos e quiser seguir, ela vai fazer a parte dela”. É tanto que eu não tenho medo de macumba, não tenho medo de bruxaria, não tenho medo de nada. Abaixo de Deus, eu não tenho medo de nada. Tem uma pessoa lá no Candeal, a única pessoa, de todos os lugares que eu já morei, que eu tive desavença por causa de filho. A pessoa fez de tudo para me derrubar. Botou macumba na porta. Lutou e não conseguiu, deixou de mão.

Quando a senhora descobriu que seria rezadeira?

Com seis anos eu comecei a aprender, porque minha cabeça sempre foi boa. Doutor Paulo, da Universidade de São Paulo, fez uma entrevista comigo, há uns seis ou sete anos atrás. E disse: “Venha cá, Dona Maria, a senhora tem alguma coisa escrito?”. Eu disse: “Não”. “Como é que a senhora guarda tanta coisa?”. Eu disse: “aqui [aponta para cabeça] e aqui [aponta para o coração]”. Eu ganhei um gravador de primeiro mundo, estou botando algumas coisas no gravador. É para fazer um livro, eu nunca fiz. Pelo menos, amanhã ou depois, eu tenho alguma coisa guardada.

4 comentários:

Unknown disse...

Nossa muito bom..o Grupo de Extensão Permanente FARMÁCIA DA TERRA, Coordenado pela professora Mara Zélia, se destacou em todos os dias de oficina. A cozinha do Palácio da Aclamação foi pequena diante do grande número de interessados em aprender com Kleyson Rosário, Jussara Cony e Dona Maria Gorda, junto com seus Oficineiros Daniel César, Flora de Aquino e Rodrigo Ferreira. A monitora Nice e a aluna Lay foram destaque desta oficina. O encerramento ficou por conta de Dona Nadir do Samba de Pareia, reforçando o caráter multicultural.

Unknown disse...

já que foi essa festa toda olha só o vídeo que tá rolando http://br.youtube.com/watch?v=jRBD-7zffow

Anônimo disse...

To babando até agora com a Dona Maria Gorda, com a Dona Nadir, com Jussara Cony, etc.
Nós do Coletivo Publicação Participativa de SP, até utilizamos uma imagem de Dona Maria Gorda pra retratar a diversidade cultural do nosso país.
Mas uma coisa tenho que discordar:
Não existe caráter multicultural. O que existe é uma característica de diversidade, numa grande unidade chamada Nação Brasileira!
Multiculturalismo é pura apologia a globalização. As vezes até racismo!
Do mais, parabéns CUCA da UNE!

Novidades da Rita disse...

Gostaria de saber o endereço dela para levar minha filha pra ela rezar.meu ZAP 71/982279191